domingo, 5 de abril de 2009

O menino do Massangana

Uma sugestão para os professores que ainda não sabem como lidar com a história e a cultura do negro e do índio no currículo escolar – se é que o assunto ainda continua incomodando escolas alertadas há pouco pelo Ministério Público. Chamem um senhor de olhar altivo de quem a maioria dos adultos se lembra como o retrato de um dos tantos bigodudos do tempo do Império. Levem Joaquim Nabuco para a aula e peçam que ele converse com crianças e adolescentes. Escutem esta fala dele: "A criança sustenta muitas vezes entre seus dedos fracos uma verdade que a idade madura com toda sua fortaleza não poderia suspender e que só a velhice terá novamente o privilégio de carregar".

Nabuco, filho de senhor de engenho em Pernambuco, foi amamentado por uma negra. Aprendia-se na escola que Nabuco foi um abolicionista. E só. Se deixarem esse senhor do século 19 entrar na sala e contar o que narrou em livros grandiosos, como O Abolicionismo e Minha Formação, as aulas serão menos chatas. Iniciem com ele o cumprimento da boa lei que exige o estudo da história dos negros e dos índios. Nenhuma narrativa sobre a escravidão é mais tocante do que a deste senhor que deu vozes ao menino Joaquim, ao deputado e ao diplomata atormentados pela vida triste dos escravos do engenho Massangana.

As crianças vão gostar. Nabuco pode se contrapor a outros bigodudos da história que se impuseram pelo militarismo. Afastem um pouco duques, condes, barões e marechais da sala e formem uma roda em torno dele e dos degredados da história. Apresentem um humanista aos alunos, e não só o retrato com uma legenda.

O guri do Massangana nos ajudará na remissão de mais essa vergonha. O Rio Grande do Sul já tentou esconder a história dos negros. Propagou-se por décadas a farsa da convivência cordial de senhores e escravos. A essência brutal da escravidão, assim definida pelo professor Mário Maestri, só foi exposta a partir dos anos 60 por historiadores como Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Octavio Ianni e o nosso Décio Freitas. A ocultação dessa história pelas escolas é a reafirmação da nossa incapacidade de enfrentar assuntos incômodos.

Fernando Henrique diz, em Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, que aqui a controversa libertação dos escravos – quatro anos antes da abolição no Brasil – sempre foi exaltada como uma manifestação das virtudes dos senhores bons. Foi assim que se deu a emancipação da consciência dos brancos, e não o reconhecimento de que escravos tinham direito à liberdade. Estudantes de Ensino Médio deveriam saber disso.

Sabemos tudo da trajetória de um negro americano, reconhecemos a ascensão espetacular de Barack Obama. Mas nossas virtudes bondosas ainda vacilam no reconhecimento das cotas nas universidades como o início da reparação de dois séculos e meio de escravidão. Obama está distante de nós. É cômodo exaltá-lo como um caso exemplar de afirmação. O que está próximo ainda nos constrange.

Professores à espera de orientações e apostilas do Estado e das prefeituras poderiam inaugurar suas aulas no improviso com o guri Joaquim. Procurem em sebos, comprem Minha Formação e apresentem a nota aos superiores relapsos. Leiam o trecho em que Nabuco conta como, aos oito anos, deixou o engenho do Cabo de Santo Agostinho e frustrou os escravos que o idealizavam como herdeiro de suas vidas. Ofereçam aos alunos o exemplo de quem não fugiu da verdade.
 
Por Moisés Mendes, jornalista
Fonte: Zero Hora - Porto Alegre
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